quarta-feira, 31 de agosto de 2011

GUÍMARO - 18 ANOS DEPOIS

Árbitro telefona aos presidentes

A corrupção na arbitragem é um tema que tem barbas e que até agora Sá fez um preso. José Guímaro foi apanhado em escutas telefónicas. O árbitro pedia 2000 contos (10000 euros) ao presidente do Leça, ‘Manecas’, e ao pai, Manuel Rodrigues, também dirigente do clube. Dezoito anos passados, Guímaro revela ao que o caso vai muito para lá do futebol (ver caixa) e o inspector da Polícia Judiciária (PJ) que coordenou a investigação confessa a surpresa pelo que ouviu.



O chamado caso dos ‘Quinhentinhos’ remonta a 7 de Junho de 1993, dia em que o Leça venceu o Académico de Viseu, 3-0 celebrando a conquista do título da 2ª Divisão B. Nas escutas sempre que se falava de dinheiro, surgia a palavra ‘quinhentinhos. Depois daquele jogo, a PJ, em buscas na casa do árbitro da Tocha, encontra cópia de um cheque de 500 contos (2500 euros).

A investigação criminal surge na sequência de um trabalho jornalístico, ‘Corruptos e Bem Pagos, publicado no extinto jornal Gazeta dos Desportos’ e assinado por Marinho Neves, que foi agredido à porta de casa e tinha a família ameaçada. A PJ meteu-se em campo e o jornalista deu “as pistas e os contactos para apanharem os prevaricadores”.

Mas a fama dos ‘quinhentinhos vem do início da década de 90. Era um assunto incontornável em conversas de bastidores. Falava-se em tabelas de preços, em função da importância dos jogos, mas só se falava. Consequências? Zero. Nenhum efeito até a PJ entrara em campo. Resultado mais visível: três meses de prisão preventiva para José Guímaro.

Dezoito anos passados, Calado de Oliveira, que trabalhou em vários processos conhecidos e coordenou a investigação do ‘Caso Guímaro’, conta que nem queria acreditar no que ouvira: “Já tinha visto muita coisa, mas agora, um árbitro a telefonar a presidentes de clubes a pedir dinheiro... deixou-me surpreendido.”


Perante os factos e as evidências, o caso foi a julgamento, que teve início a 9 de Outubro de 1996. Manecas afirmou perante o Procurador-geral da República da altura, Almeida Pereira: “Jamais fui abordado pelo Sr. Guímaro para qualquer tipo de acordo.” No entanto, ficou provado, em tribunal, que houve ilícito.

Para além de José Guímaro, condenado, por corrupção passiva, a 15 meses de prisão que foi transformada em pena suspensa por 5 anos, foram ainda sentenciados a penas de prisão, pelo Tribunal de Matosinhos, os dirigentes do Leça Manecas, 12 meses, Manuel Gonçalves Rodrigues (pai de Manecas) – passou os cheques a Guímaro –, e ainda o intermediário, António Ramos, ex presidente do Rio Ave, a 8 meses que acabaram por cumprir, também, penas suspensas.

José Guímaro, passados 18 anos, faz uma declaração bombástica: “ Pode ter parecido, mas os ‘quinhentinhos’ – pagamentos de 500 contos (2500 euros) que circulavam através de pessoas ligadas ao futebol – nada tinham a ver com futebol. Eram negócios – escusou-se dizer quais – envolvendo gente do futebol, mas que nada tinham a ver com o futebol”! E acrescenta: “ No meio de tudo isto tinha de haver uma vítima e essa fui eu. Mas tudo girava em torno de uma guerra, tal como hoje, entre Porto e Benfica que vai muito para além do futebol”.

NEGÓCIO
SEXO, JOGO E… FUTEBOL

Mas quais são os negócios de que José Guímaro não quer falar? Pusemo-nos em campo e apuramos que a circulação dos ‘quinhentinhos’ era feita através de pessoas com estatuto elevado na estrutura do futebol que, através de intermediários, inclusive árbitros, pediam dinheiro a dirigentes de clubes tidos como pequenos que a rogo de interesses futebolísticos ‘desviavam’ as verbas obtidas para negócios que envolviam, essencialmente, sexo e mulheres que se faziam pagar principescamente, jogos de azar mas também favores no futebol.

PROTAGONISTAS

Beneficiei do esquema

“ Claro que beneficiei do esquema, mas não matei ninguém, não roubei nem fiz nada de mal. Andei e ando de cabeça levantada, Fui afastado da arbitragem quando já estava na 2ª.Categoria e hoje, como antes, continuo a ser motorista” conta José Guímaro.

Irmão de Reinaldo Teles

Joaquim Pinheiro (não quis falar), irmão do vice – presidente do FC Porto, Reinaldo Teles, também foi a tribunal, mas sempre que confrontado com as gravações e datas de conversas com Guímaro disse “não me recordo”. Acabou por não ser condenado.



Destruíram-me a vida

“Fiquei com a vida destruída e o Leça saiu altamente lesado. Passados dez anos ainda não consegui ter uma vida direita. Todos olham para mim com desconfiança. Fui vítima de injustiça. Ao contrário de Guímaro não há nenhuma referência a escutas minhas”, conta Manecas.

Presidente do Rio Ave era intermediário

António Ramos, tido como o intermediário dos ‘quinhentinhos’ no caso Guímaro, era na altura presidente do Rio Ave. O empresário da construção civil é pai do actual treinador da Naval 1º de Maio, Daniel Ramos, e não quis prestar declarações.

Leça Baixa de Divisão em 97

Em 1997, a 26 de Junho, com o Leça na 1ª Divisão o Conselho de Disciplina da Liga considerou que o caso Guímaro não passou de tentativa de corrupção, condenando o Leça à perda apenas 3 pontos. Logo a seguir corrigiu para descida à Honra.

Carlos Severino

Trabalho alargado cuja versão mais sintetizada foi publicada no CM de 27/08/11

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SÁ PINTO vs ARTUR JORGE

Entre a Cabala e a Opção

Portugal precisava de vencer. Em Março de 1997, preparava-se o importante encontro com a Irlanda do Norte, que se mostrava quase fundamental para o alcance do apuramento para o Mundial França 98.



Para espanto geral, da convocatória do seleccionador nacional, Artur Jorge, não fazia parte Sá Pinto, então avançado do Sporting, treinado por Octávio Machado, que estava em grande forma.

A situação despertou muita curiosidade, o que levou a que a rádio TSF e o Jornal Record apresentassem uma versão sustentada por fonte próxima de Artur Jorge, que aqui recordamos: “Sá Pinto teve comportamentos menos ajustados nos estágios em Braga e na Grécia, aquando de 2 jogos de preparação.”

Artur Jorge: “Foi opção técnica”

À questão sobre as causas da não convocação de Sá Pinto, Artur Jorge disse: “ Não houve mais nada que uma decisão minha, uma opção meramente técnica”.

Sá Pinto dirigia-se para Alvalade quando ouviu e leu a notícia. Rumou para o Estádio Nacional, após ter recebido um telefonema do assessor de imprensa da FPF, Joseph Wilson, convidando-o a ir despedir-se dos colegas, e o caldo entornou-se.

A Única Testemunha

Testemunha única de tudo o que aconteceu foi o actual médico da selecção A, Nuno Campos, que estava no local, na qualidade de clínico dos sub – 21. Dirigia-se a Artur Jorge para lhe transmitir que Dani (Jogador do AJax) não estava em condições físicas de substituir o também lesionado, Rui Barros. Diz Nuno Campos, que assistiu à chegada de Sá Pinto: “deu dois murros na cabeça de Artur Jorge, atirando-o ao chão e perguntou-lhe ‘ó filho da p... por que é me estás a estragar a vida?!”

“Nada Disse ao Jogador”

Nas diversas versões, para justificar a ocorrência, incluía-se uma que atribuía a Octávio Machado – estava de relações cortadas com Artur Jorge –, o incentivo ao jogador para fazer o que fez. O ex treinador do Sporting garante não ser verdade: “Não estive com o Sá Pinto antes de ele ir para o Estádio Nacional e jamais o incentivaria a proceder daquela forma”.

A Jogada de ‘Mestre, segundo Octávio’

Para Octávio Machado, o desenlace do caso foi resultado de uma cabala: “Nada acontece por acaso. A não convocatória de Sá Pinto foi uma jogada de ‘mestre’. O Sporting estava a morder os calcanhares ao Porto, no campeonato. Numa estratégia montada a Norte, houve o aproveitamento da situação para arrumar com o Sporting e para me obrigar também a sair, porque estávamos a incomodar.”

Sá Pinto afirma que não foi a não convocatória que o revoltou. “Reagi mal à acusação de mau comportamento como razão para o meu afastamento, por ser falsa.” E acrescentou: “Quanto à eventual entrevista que lhe podia baixar o castigo (ver protagonistas), Sá Pinto admite que pode ter existido essa situação, mas não se recorda de ter havido um contacto efectivo.”


Pinto Monteiro, actual PGR, Sentenciou

O caso que culminou com a condenação desportiva de Sá Pinto por agressão a Artur Jorge, teve contornos que acabaram por envolver diversas personalidades, entre elas o actual Procurador-geral da República. Pinto Monteiro desempenhava então o cargo de Presidente do Conselho de Justiça da FPF e foi quem sentenciou a penalização de um ano ao jogador. Pinto Monteiro, enquanto presidente do CJ da FPF, seguiu a decisão do ‘amigo’ Dinis Nunes (já falecido) que era o presidente do Conselho de Disciplina, como fazia habitualmente, apurou o Correio Sport. Já em relação ao processo cível, o pedido de desculpas de Sá Pinto a Artur Jorge levou este último a desistir da queixa que podia dar prisão ao ex jogador do Sporting.


PROTAGONISTAS


O Advogado do Norte

O advogado Lourenço Pinto, actual presidente da AFPorto, conduziu o caso sem evitar a pena de um ano de suspensão. “Se tivesse intervido mais cedo, o Sá Pinto podia não ter sido castigado”.

Sá Pinto: “Respeitei opções do seleccionador”

“Tinha a minha mulher grávida, a minha mãe mal de saúde e os problemas levantados pela não convocação, por duas vezes em curto espaço de tempo. Foi uma pressão enorme, mas sempre respeitei as opções do seleccionador.”

Entrevista baixava castigo para 6 meses

Dinis Nunes, presidente do CD, pediu a fonte do Correio Sport, para fazer chegar o recado: se o jogador desse entrevista a pedir desculpa a Artur Jorge, o castigo seria de apenas seis meses. Sá Pinto não deu a entrevista. Apanhou um ano.

Rui Águas ateou o que parecia apagado

Nuno Campos relembra que: “já tudo estava sanado, com Oceano a levar Sá Pinto para a sua viatura, quando surgiu Rui Águas que lhe disse das boas. O resultado foi o que as célebres e elucidativas fotos, que correram mundo, mostraram.”

Arruinaram carreira a Sá Pinto

“O castigo prejudicou o Sporting e arruinou carreira a Sá Pinto. João Pinto agrediu árbitro num Mundial, com tanta gente a ver. Apanhou 3 meses! Scolari agrediu jogador sérvio perante o Mundo. Quase nada aconteceu, porquê?”, questiona Octávio Machado.

Carlos Severino

Versão alargada da síntese que foi publicada no Correio da Manhã (Correio Sport), a 13 de Agosto.