Árbitro telefona aos presidentes
A corrupção na arbitragem é um tema que tem barbas e que até agora Sá fez um preso. José Guímaro foi apanhado em escutas telefónicas. O árbitro pedia 2000 contos (10000 euros) ao presidente do Leça, ‘Manecas’, e ao pai, Manuel Rodrigues, também dirigente do clube. Dezoito anos passados, Guímaro revela ao que o caso vai muito para lá do futebol (ver caixa) e o inspector da Polícia Judiciária (PJ) que coordenou a investigação confessa a surpresa pelo que ouviu.
O chamado caso dos ‘Quinhentinhos’ remonta a 7 de Junho de 1993, dia em que o Leça venceu o Académico de Viseu, 3-0 celebrando a conquista do título da 2ª Divisão B. Nas escutas sempre que se falava de dinheiro, surgia a palavra ‘quinhentinhos. Depois daquele jogo, a PJ, em buscas na casa do árbitro da Tocha, encontra cópia de um cheque de 500 contos (2500 euros).
A investigação criminal surge na sequência de um trabalho jornalístico, ‘Corruptos e Bem Pagos, publicado no extinto jornal Gazeta dos Desportos’ e assinado por Marinho Neves, que foi agredido à porta de casa e tinha a família ameaçada. A PJ meteu-se em campo e o jornalista deu “as pistas e os contactos para apanharem os prevaricadores”.
Mas a fama dos ‘quinhentinhos vem do início da década de 90. Era um assunto incontornável em conversas de bastidores. Falava-se em tabelas de preços, em função da importância dos jogos, mas só se falava. Consequências? Zero. Nenhum efeito até a PJ entrara em campo. Resultado mais visível: três meses de prisão preventiva para José Guímaro.
Dezoito anos passados, Calado de Oliveira, que trabalhou em vários processos conhecidos e coordenou a investigação do ‘Caso Guímaro’, conta que nem queria acreditar no que ouvira: “Já tinha visto muita coisa, mas agora, um árbitro a telefonar a presidentes de clubes a pedir dinheiro... deixou-me surpreendido.”
Perante os factos e as evidências, o caso foi a julgamento, que teve início a 9 de Outubro de 1996. Manecas afirmou perante o Procurador-geral da República da altura, Almeida Pereira: “Jamais fui abordado pelo Sr. Guímaro para qualquer tipo de acordo.” No entanto, ficou provado, em tribunal, que houve ilícito.
Para além de José Guímaro, condenado, por corrupção passiva, a 15 meses de prisão que foi transformada em pena suspensa por 5 anos, foram ainda sentenciados a penas de prisão, pelo Tribunal de Matosinhos, os dirigentes do Leça Manecas, 12 meses, Manuel Gonçalves Rodrigues (pai de Manecas) – passou os cheques a Guímaro –, e ainda o intermediário, António Ramos, ex presidente do Rio Ave, a 8 meses que acabaram por cumprir, também, penas suspensas.
José Guímaro, passados 18 anos, faz uma declaração bombástica: “ Pode ter parecido, mas os ‘quinhentinhos’ – pagamentos de 500 contos (2500 euros) que circulavam através de pessoas ligadas ao futebol – nada tinham a ver com futebol. Eram negócios – escusou-se dizer quais – envolvendo gente do futebol, mas que nada tinham a ver com o futebol”! E acrescenta: “ No meio de tudo isto tinha de haver uma vítima e essa fui eu. Mas tudo girava em torno de uma guerra, tal como hoje, entre Porto e Benfica que vai muito para além do futebol”.
NEGÓCIO
SEXO, JOGO E… FUTEBOL
Mas quais são os negócios de que José Guímaro não quer falar? Pusemo-nos em campo e apuramos que a circulação dos ‘quinhentinhos’ era feita através de pessoas com estatuto elevado na estrutura do futebol que, através de intermediários, inclusive árbitros, pediam dinheiro a dirigentes de clubes tidos como pequenos que a rogo de interesses futebolísticos ‘desviavam’ as verbas obtidas para negócios que envolviam, essencialmente, sexo e mulheres que se faziam pagar principescamente, jogos de azar mas também favores no futebol.
PROTAGONISTAS
Beneficiei do esquema
“ Claro que beneficiei do esquema, mas não matei ninguém, não roubei nem fiz nada de mal. Andei e ando de cabeça levantada, Fui afastado da arbitragem quando já estava na 2ª.Categoria e hoje, como antes, continuo a ser motorista” conta José Guímaro.
Irmão de Reinaldo Teles
Joaquim Pinheiro (não quis falar), irmão do vice – presidente do FC Porto, Reinaldo Teles, também foi a tribunal, mas sempre que confrontado com as gravações e datas de conversas com Guímaro disse “não me recordo”. Acabou por não ser condenado.
Destruíram-me a vida
“Fiquei com a vida destruída e o Leça saiu altamente lesado. Passados dez anos ainda não consegui ter uma vida direita. Todos olham para mim com desconfiança. Fui vítima de injustiça. Ao contrário de Guímaro não há nenhuma referência a escutas minhas”, conta Manecas.
Presidente do Rio Ave era intermediário
António Ramos, tido como o intermediário dos ‘quinhentinhos’ no caso Guímaro, era na altura presidente do Rio Ave. O empresário da construção civil é pai do actual treinador da Naval 1º de Maio, Daniel Ramos, e não quis prestar declarações.
Leça Baixa de Divisão em 97
Em 1997, a 26 de Junho, com o Leça na 1ª Divisão o Conselho de Disciplina da Liga considerou que o caso Guímaro não passou de tentativa de corrupção, condenando o Leça à perda apenas 3 pontos. Logo a seguir corrigiu para descida à Honra.
Carlos Severino
Trabalho alargado cuja versão mais sintetizada foi publicada no CM de 27/08/11