A crise actual de resultados desportivos e financeiros no Sporting leva-me a propor uma reflexão baseada em factos que presenciei e que conduziram o Clube para a situação actual.
O ULTIMATO DE ROQUETE
José Roquete entrou no Sporting em Maio de 1995, apresentando uma equipa em que o presidente da direcção era Pedro Santana Lopes. O chamado "Projecto Roquete" apresentava, como novidade, uma gestão do património imobiliário onde a receita financeira taparia eventuais prejuízos provocados pelos, sempre imprevisíveis, resultados desportivos. Do projecto imobiliário constavam, nomeadamente, a construção de um novo estádio com uma envolvente comercial a ser explorada pelo Clube, uma Academia de onde era suposto sair anualmente 1 a 2 valiosos craques e ainda a venda dos terrenos do velhinho Alvalade cujo produto serviria para construir o novo estádio.
Recordo-me de Roquete após ter assegurado a venda dos terrenos do antigo estádio colocar, em Assembleia Geral, uma questão aos Sportinguistas: "temos, neste momento, 10 milhões de contos disponíveis, os quais, se assim o entenderem, servem para comprar uns quantos craques, mas, se for essa a decisão, não contam connosco para isso. Nós somos pelo saneamento das contas do Sporting e pelo rigor na gestão, por isso a decisão é vossa". Perante este cenário, os sócios votaram massivamente no rigor e no saneamento das contas.
Entre aquela declaração e a saída de José Roquete, em 2000 com o Sporting Campeão, passaram pouco mais de 2 anos, tendo até havido, pelo meio, a venda de Simão, ao Barcelona, por mais de 2 milhões de contos. O ex. Presidente foi-se embora por alegada ruptura com Luís Duque, Presidente da SAD por sua escolha, mas não deixando de vender as suas acções da SAD, 200 mil, com um lucro significativo. No entanto, nos cofres do Sporting já não moravam os tais 10 milhões de contos e as contas não estavam saneadas, antes pelo contrário.
A HERANÇA DE DIAS DA CUNHA
Dias da Cunha, quando assumiu a presidência do Sporting, foi confrontado com a dura realidade de nem um tostão ter para arrancar com as obras do Novo Estádio. Para além do mais teve de assumir os milhões resultantes dos contratos, do tipo "custo-zero" com chorudos vencimentos, que envolveram jogadores como João Pinto, Dimas, Paulo Bento, Bruno Caires e mais uma dúzia de jogadores trazidos por José Veiga com o beneplácito de Luís Duque.
Foram as garantias bancárias, dadas pessoalmente por Dias da Cunha, que acabaram por fazer com que o Sporting fosse honrando os seus compromissos e fosse cumprida a promessa da construção do Novo Estádio e da Academia. Mas, nem mesmo assim foi sustida a veia despesista da SAD, agora com Miguel Ribeiro Teles que nomeado para suceder a Duque apresenta, em 2003, o maior prejuízo de sempre da SAD leonina: quase 30 milhões de euros., com Bettencourt como Director Executivo.
A incapacidade dos diversos dirigentes da SAD para gerir a Sociedade mais importante do Grupo Sporting, atira os números oficiais para um prejuízo de quase 200 milhões de euros, apesar das vendas por valores interessantes de Ronaldo, Quaresma, Nani e agora Veloso e Moutinho, cerca de 70 milhões de euros.
REFLEXÃO FINAL
Não há empresa, instituição, família ou clube que resista a prejuízos permanentes, sem que nada se faça a não ser reformular, sistematicamente, a dívida aumentando o prazo de pagamento e contraindo empréstimos, a juros elevados, para superar a gestão corrente. Não é com compras avultadas de jogadores como Pongolle, só por falar no mais caro, nem no desaproveitamento de jogadores como Varela ou Carlos Martins que brilham nos rivais com o Sporting a não ganhar nada com isso, que se consegue inverter a situação.
José Bettencourt conseguiu, numa época, colocar a SAD com o 2º maior prejuízo de sempre. Para quem teve uma experiência vivida na SAD e no Conselho Directivo durante 7 anos, e 90% dos votos nas eleições, torna-se quase inverosímil que apresente resultados tão exasperantes, com tiros sucessivos nos pés atirando o Sporting para os braços da chacota nacional. Bettencourt encarna hoje os sucessivos equívocos de há muitos anos a esta parte, reconhecidos inclusive por Roquete que muito tempo depois do famígerado PROJECTO assumiu que afinal a salvação do Sporting está no investimento desportivo. Os resultados estão à vista. E afinal já no tempo dos 10 milhões o investimento foi "desportivo". Resultou em 2 títulos e num buraco financeiro sem fim à vista. A dependência de terceiros é hoje tal que dá vontade de perguntar: de quem é agora o Sporting?
Carlos Severino