terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O MILAGRE DE ALKMAAR

Sporting e Benfica estão a caminho da fase final da Liga Europa. A "estória" de hoje conta uma série de episódios vividos aquando do histórico apuramento do Sporting para a final da Taça UEFA, em 2005.


Num momento conturbado, mais um, da vida interna do Sporting, um grupo encabeçado pelo então Vice-Presidente, Miguel Ribeiro Teles, contestava o então Presidente, Dias da Cunha. Por via disso mesmo, o balneário da equipa, treinada por José Peseiro, não vivia os melhores momentos mas, mesmo assim, os resultados e exibições eram deveras animadores.


Na Taça UEFA, o Sporting, mediante grandes exibições e bons resultados, apresentou-se na segunda mão das meias finais da competição com vantagem sobre os holandeses do AZ Alkmaar, após uma vitória por 2-1 em Alvalade.
A diferença era mínima, bastava perder por 1-0 para o Sporting ficar afastado da final que estava marcada, precisamente, para o Estádio Alvalade.


A equipa, e respectiva comitiva da qual eu fazia parte, partiu para a Holanda no dia 23 de Maio. O avião ia cheio e a ansiedade era grande.


Já havíamos sido alertados para as lastimáveis condições do estádio do AZ, mas lá verificou-se que ultrapassava tudo o que podíamos imaginar. Desde as cabinas, nem nos regionais em Portugal, passando pela zona envolvente cheia de contentores, bancadas em ferro e madeira mesmo em cima do relvado, tudo do pior. Quando o Setúbal teve de jogar em Alvalade por exigência da UEFA, percebeu-se que a entidade europeia para o futebol tem dois pesos e duas medidas, dependendo da cor da bandeira.


No dia do jogo aquela espécie de campo de futebol estava lotado de público que, com uns "leques" de papel grosso, fazia um banzé ensurdecedor. A direcção dos leões estava em peso. O jogo começou mal para o Sporting que sofreu um golo logo aos 6 minutos. Já na 2ª parte, Liedson empatou. Depois foi a avalanche dos holandeses a levar o resultado para o empate na eliminatória. Quase a meio do prolongamento, o AZ voltou a marcar passando para a frente no conjunto dos dois jogos.


Vi a partida, na chamada tribuna, até ao intervalo do prolongamento. Não estava a aguentar aquele ambiente. Resolvi ir para o contentor que servia de bar e restaurante acabar de ver o jogo pela TV.
Era eu e cerca de duas dezenas de holandeses, funcionários(as) que olhavam para mim sorrindo e comentando que o AZ seria o finalista. Limitei-me a dizer que o encontro ainda não tinha acabado.


O árbitro olhava já para o relógio e, confesso que estava pronto para sair do restaurante, para não ser gozado pelos empregados do AZ. Mas o futebol tem destas coisas, e mesmo no fim foi Miguel Garcia a dar uma das maiores alegrias de sempre aos sportinguistas.
No restaurante, o silêncio de morte foi quebrado por mim que tirei o sobretudo como se fosse a camisola e rodando-o por cima da cabeça, corri à volta das mesas virando-me para os holandeses(as) gesticulando um grande "toma", com a mão direita, até ficar rouco.


Foi uma noite única. Troquei, com um adepto holandês, a gravata da inauguração do Alvalade XXI por um cachecol alusivo ao jogo. Lembro-me da alegria de toda a comitiva, mas especialmente de Dias da Cunha, o único que parecia confiar em José Peseiro.


Nesta "estória" feliz, não quero deixar de referir algo que na altura estava longe de imaginar que seria a última vez.


O meu amigo Jorge Perestrelo fez o último relato da sua vida. E foi tão exuberante, que levou muitos a pensar que ele era sportinguista. Grande profissional. No final do jogo estive com ele numa conversa bem disposta, referindo-lhe, em jeito de brincadeira, que ele lá teve que fazer a festa do "meu" clube. Rimos e despedi-me com um até amanhã. Foi um até sempre, inesquecível companheiro.


Benfica e Sporting têm agora, na Liga Europa, oportunidade de dar mais umas alegrias aos seus adeptos. Torço para que isso aconteça.



Carlos Severino